22 de fev. de 2012

Homilia de Dom Pedro Carlos Cipolini em Missa de Encerramento de Retiro Espiritual

Homilia de Dom Pedro Carlos Cipolini


HOMILIA
MISSA DE ENCERRAMENTO DO RETIRO ESPIRITUAL
DOS SEMINARISTAS DA DIOCESE DE AMPARO –  Dom Pedro Carlos Cipolini – Bispo Diocesano


                Neste momento em que nos é proposto refletir a Palavra de Deus, nosso sentimento em primeiro lugar é de gratidão. Vocês estão iniciando mais um ano de caminhada na busca de cumprir vossa vocação, e isto é uma grande graça de Deus, sabendo que Ele acompanha a todos com seu amor. Na sua mensagem para o 49º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (a ser celebrado dia 29 de abril próximo), o papa Bento XVI escreve que  “...a verdade profunda de nossa existência está contida neste mistério admirável de que, cada criatura, e particularmente cada pessoa humana é fruto de um pensamento e de um ato de amor de Deus, amor imenso, fiel e eterno(cf.Jr 31,3). É a descoberta deste fato que muda, verdadeira e profundamente nossa vida”. O papa prossegue dizendo ainda: Cada vocação nasce da iniciativa de Deus, é dom do amor de Deus! É Ele que realiza o primeiro passo, e não o faz por uma particular bondade que teria vislumbrado em nós, mas em virtude da presença do seu próprio amor ´derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo´”(Rm 5,5).
                Nesta celebração Eucarística vocês estão encerrando este retiro espiritual que vos proporciona o impulso espiritual e a coragem para renovar o desejo de ouvir o chamado, perceber a iniciativa deste Deus de Amor que chama a fazer tudo  no amor e por amor. A vocação total é a vida no amor porque o Amor jamais passara e Deus é Amor. A Palavra de Deus aqui proclamada, nos dá pistas e nos ilumina, para descobrirmos como realizar  nossa vocação ao amor, e em especial nossa vocação ao amor vivido no ministério presbiteral, que vocês desejam abraçar por toda a vida.
                A primeira leitura da Carta de Tiago (cap 2,1-9) começa por mostrar-nos que a fé é fundamental, porém ela só pode existir de verdade em um coração que ama. A pedra de toque da autenticidade da fé é a prática do amor, pois no fim da vida seremos julgados pelo amor que tivermos a Deus, amor a Deus, amado na pessoa do próximo em especial do mais pobre. O amor ao próximo é a “lei régia”, escreve o apóstolo. E aqui é necessário reparar o quanto idealizamos o amor a Deus achando que pode existir sem o amor ao próximo, ou ainda achando que poderemos amar o próximo sem nenhum tipo de renúncia ou sacrifício de nosso ego voraz. Amar o próximo é descobrir a alegria de pensar mais no bem do outro do que no seu próprio bem.  Tendo nos amado, amou até o fim... até dar a vida. Este amor não mata, pelo contrário ele é a morte da morte. Quem não entender isto, e não tiver disposto a praticá-lo não deveria assumir a vocação ao ministério presbiteral, mesmo que sinta o chamado. É melhor dizer um não sincero (como o do jovem rico), que um sim solene, que depois se desmente, e vira não por toda uma vida. “Mas vós desprezais o pobre!” escreve o apóstolo. Isto serve  como questionamento a quem é padre ou deseja sê-lo. Pensemos na angústia que assalta o coração de muitos seminaristas e padres ao pensar que podem ser designados para uma paróquia pobre! Quem aspira uma paróquia pobre? Jesus que ficou trinta anos em Nazaré, encarnou-se na pobreza. A heresia do nestorianismo ensinava que Jesus não sofria como nós, que seu corpo era uma vestimenta uma roupa somente encobrindo o que Ele era de verdade... Jesus não sofreu. O docetismo vai pelo mesmo caminho, desprezando a realidade histórica da encarnação de Jesus, seu sofrimento e morte, para exaltar seu pode e glória somente. É uma tentação sempre presente também em nossos dias.
                O Evangelho proclamado aqui hoje (Mc 8, 27-33), nos faz ouvir a pergunta de Jesus: “E vós quem dizeis que eu sou?” Dependendo da resposta que dermos a esta pergunta, se decidirá nossa vocação, nosso tipo de seguimento de Jesus e nossa concepção do que é o Amor de Deus que se manifestou em Jesus Cristo, e consequentemente, que tipo de padre você quer ser ou será. Penso que ninguém deveria assumir o ministério sacerdotal se já não tem no coração a resposta a esta pergunta.  Por isso é que Jesus os interroga durante este processo de “formação”. De fato, Jesus parte com os discípulos para longe da Judéia e da Galiléia, para o outro lado do mar da Galiléia. Jesus os leva para fazer um “retiro” com ele. E aqui me parece que, a pergunta fundamental de um retiro para vocacionados ao sacerdócio ministerial deve ser esta mesmo: “quem é Jesus para mim”?. Isto porque tudo passará em nossa vida mas Jesus não passará, porque Ele é a manifestação do amor de Deus, Ele é o próprio Deus Amor: Cristo ontem, hoje e sempre!
                Permitam-me recordar aqui o que escreve o Cardeal François Xavier Nguyen Van Thuan em seu livro Testemunhas da Esperança (Ed. Cidade Nova, S. Paulo, 2007), no qual ele reúne as pregações feitas no Retiro pregado á Cúria Romana em  2000, a convite do Papa João Paulo II. Apenas eleito bispo ele foi preso pelos comunistas que dominavam seu país, o Vietnan (nasceu em 1928 e morreu  em 2002). Atualmente está correndo seu processo de beatificação. Na prisão era sempre questionado por que decidiu seguir Jesus e ele explicava: “Abandonei tudo para seguir Jesus porque amo os defeitos de Jesus” (cf. pp. 28-32).
                “Primeiro defeito:  Jesus não tem boa memória
No alto da cruz, durante a sua agonia, Jesus ouviu a voz do ladrão que estava à sua direita: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu reino” (Lc 23,42). Se fosse eu, ter-lhe-ia respondido: “ Não vou te esquecer, mas os teus crimes devem ser pagos com pelo menos vinte anos de purgatório”. No entanto, Jesus respondeu-lhe: ”... hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Ele esquece todos os pecados daquele homem. Algo semelhante acontece com a pecadora que banha os pés de Jesus com perfume; ele não pergunta nada a respeito de seu passado escandaloso, mas diz simplesmente: “ ... seus numerosos pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc7,47). A parábola do filho pródigo conta-nos que ele, no caminho de volta para a casa paterna, prepara-se interiormente sobre o que dizer: “Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados” (Lc 15,18-19). Mas quando o pai o avista de longe, este já havia esquecido de tudo, corre a seu encontro e abraça-o. E, não lhe dando tempo para sua fala, dirige-se aos empregados, que estão desconcertados:
 Ide depressa , e trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejamos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver. (Lc 15,22-24). A memória de Jesus não é igual a minha; ele não só perdoa, e perdoa a todos, mas esquece até mesmo que perdoou.
Segundo defeito:  Jesus não “sabe” matemática
Se Jesus tivesse sido submetido a um exame de matemática, talvez teria sido reprovado. É o que demonstra a parábola da ovelha perdida. Um pastor tinha cem ovelhas. Uma delas se perde, e imediatamente ele sai a sua procura, deixando as outras noventa e nove no deserto. Reencontrando-a, coloca a pobrezinha nos ombros e carrega-a (cf. Lc 15,4-7). Para Jesus, uma pessoa tem o mesmo valor de noventa e nove, e talvez mais ainda! Quem aceitaria algo deste tipo? Pois a sua misericórdia se estende de geração em geração... Quando se trata de salvar uma ovelha perdida, risco algum, nenhum esforço faz Jesus se desencorajar. Contemplamos seus gestos cheios de compaixão, ao sentar-se junto ao poço de Jacó para dialogar com a samaritana, ou então, quando se autoconvida para ir à casa de Zaqueu! Que simplicidade a sua, simplicidade que ignora os cálculos humanos; que amor pelos pecadores!
Terceiro defeito:  Jesus desconhece a lógica
Uma mulher tinha dez dracmas e perde uma. Ascende, então, a sua lamparina para procurá-la. Quando a encontra, chama suas vizinhas e lhes diz: “ Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma que havia perdido” (Lc 15,8-10). É realmente ilógico perturbar suas amigas apenas por causa de uma dracma! Depois, promove uma festa para comemorar o ocorrido! E tem mais; ao convidar suas amigas, gasta mais do que uma dracma! Nem mesmo dez dracmas seriam suficientes para cobrir as despesas... Neste caso, podemos realmente repetir as palavras de Pascal: “O coração tem suas razões, que a própria razão desconhece” (cf Pascal, 1999, n. 277, p. 104). Jesus ao concluir essa parábola, revela a estranha lógica de seu coração: “ Eu vos digo que, do mesmo modo, há alegria diante dos anjos de Deus por um só pecador que se arrependa” (Lc 15,10).
Quarto defeito:  Jesus é um aventureiro
Quem cuida da publicidade de uma empresa ou se lança como candidato em algum tipo de eleição, geralmente faz uma programação bem precisa, com muitas promessas. Nada de semelhante acontece com Jesus. A sua propaganda, analisada humanamente, é destinada ao fracasso. Ele promete, a quem o segue, julgamentos e perseguições. Aos seus apóstolos, que deixaram tudo por ele, não garante nem o sustento material nem uma casa para morar; mas apenas partilhar do seu mesmo estilo de vida. A um escriba desejoso de se tornar seu seguidor, responde: “As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20). O trecho do Evangelho  que trata das bem-aventuranças, verdadeiro auto-retrato de Jesus aventureiro do amor ao Pai e aos irmãos, é um paradoxo do início ao fim, embora estejamos acostumados a escutá-lo: Bem-aventurados os pobres em espírito [...].Bem-aventurados os aflitos [...].Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça [...].Bem-aventurado sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos Céus {...}. (Mt 5,3-12)
Mas os discípulos confiavam naquele aventureiro. Já faz dois mil anos – e vai continuar até o fim dos tempos – que as pessoas continuam seguindo os passos de Jesus. Basta lembrar os santos de todas as épocas. Muitos deles fazem parte daquela abençoada associação de aventureiros. Sem endereço, sem telefone, sem fax...!
Quinto defeito:  Jesus não entende nem de finanças nem de economia
Recordamos aqui a parábola dos operários da vinha. O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que saiu de manhã cedo para contratar trabalhadores para sua vinha.Saindo em seguida às cinco da tarde [...] mandou-os para a sua vinha. Ao final da tarde, pagou um salário a todos eles, começando pelos últimos e terminando com os primeiros. (cf. Mt 20,1-16)
Se Jesus fosse nomeado administrador de uma comunidade ou diretor de uma empresa, essas instituições fracassariam e decretariam falência. Como é possível  alguém pagar o mesmo salário, seja a quem começa a Trabalhar às cinco da tarde, seja a quem começa desde manhã cedo? Trata-se de um descuido? Ou Jesus errou, fez as contas erradas? Não! Ele fez de propósito, porque – explica - : “ Não tenho o direito de fazer o que eu quero com o que é meu? Ou o teu olho é mau porque eu sou bom?” (Mt 20,15).
Mas poderíamos perguntar-nos: por que Jesus tem esses defeitos?
Porque é amor (cf. 1 Jo 4,16). O amor autêntico não é racional, não mede, não ergue barreiras. não calcula, não recorda as ofensas recebidas e não impõe condições. Jesus age sempre por amor. Da convivência da Trindade, ele nos trouxe um amor imenso, infinito, divino, um amor que chega – como afirmam os Santos Padres da Igreja – até a loucura e coloca em crise os nossos padrões humanos.”
               
Pois bem, meus queridos seminaristas. Eu e nossa Igreja que está em Amparo, olhamos para vocês com amor e desejamos que vocês se realizem na vocação à qual vocês se sentem chamados: vocação de seguir Jesus, assumindo na Igreja o ministério ordenado para viver o amor de Cristo no amor aos irmãos e expandir seu Reino. Se a motivação última for somente o amor próprio, (honra, glória, bem estar, realizar belas celebrações, cumprir ritos...), não vale a pena, mas se for por amor tudo vale a pena porque a causa não é pequena.
 O Papa Bento XVI na mesma mensagem a que aludi no início desta reflexão dá algumas pistas para  conseguirmos realizar o ideal: a) familiaridade com a Palavra de Deus, oração comunitária e pessoal devota e constante,  e a Eucaristia, que deve ser o centro vital de todo o caminho vocacional, pois a Eucaristia  é no dizer do papa a expressão perfeita do amor: é nela que aprendemos a viver a “medida alta” do amor de Deus. E conclui o Papa (e eu com ele): “Palavra, Oração e eucaristia constituem o tesouro precioso para se compreender a beleza duma vida totalmente gasta pelo Reino”.

Monte Alegre do Sul, 16 de fevereiro de 2012  

Nenhum comentário:

Postar um comentário